As descobertas não surgem do ponto zero. Esses p-r-o-c-e-s-s-o-s se pautam no que veio antes, num dialogismo quase infinito, seja para romper com algo ou para melhorar alguma coisa que já existia, ou os dois ao mesmo tempo. Isso deve ser considerado em relação ao estabelecimento da psicologia positiva.
Outro fato a ser levado em conta é o momento histórico. Quando os psicólogos Abraham Maslow ou Viktor Frankl, por exemplo, lançaram seus importantes trabalhos, com um olhar mais holístico para a saúde e o bem-estar do ser humano, outros aspectos eram considerados mais relevantes naquele momento. Quem gostaria de investir dinheiro neste tipo de pesquisa então?
Afirmar, portanto, que Martin Seligman é o pai da psicologia positiva não acredito que seja a melhor forma de falar sobre seu papel central para a formação dessa ciência. (Aliás, desconheço a mãe de alguma teoria ou movimento. Por que são sempre pais, anh?).
Entretanto, foi esse professor e pesquisador da Universidade da Pensilvânia que teve a grande sacada de reunir estudos científicos que já existiam relacionados à felicidade e ao bem-estar humanos e também de promover uma série de outros estudos, dando corpo à psicologia positiva. Nesse sentido, Martin, como gosta de ser chamado, foi uma figura central para que a psicologia positiva se estabelecesse como ciência.
A pedra fundamental desse movimento foi lançada em Massachusetts, em 21 de agosto de 1999, durante a posse de Martin na presidência da Associação Americana de Psicologia (APA), na sua 107ºconvenção.
O objetivo da gestão dele foi o de possibilitar a correção do rumo da psicologia, que vinha focando só em doenças, cura e reparo de danos.
Cabe ressaltar que somos seres sociais, consequentemente o momento histórico influencia o que se considera importante numa determinada época.
Antes da II Guerra Mundial, por exemplo, a psicologia tinha três tarefas bem claras:
I. Curar doenças mentais
II. Melhorar a vida da população em geral
III. Estudar genialidade
No entanto, após a II Guerra Mundial e suas consequências negativas refletidas em soldados e na população em geral, a psicologia passou, por motivos talvez justificáveis, a focar na cura de transtornos mentais.
Nesse aspecto, ela tem conseguido avançar muito. Pelo menos quatorze transtornos mentais, a exemplo de fobia e ansiedade, podem ser curados ou consideralmente aliviados.
A história de pesquisa e trabalho clínico de Martin também foi focada em curar doenças. Uma de suas teorias mais conhecidas e muito importante na área psicológica, realizada com Steve Maier, é a teoria do desamparo aprendido e sua relação com a depressão. Entretanto, aos poucos ele foi mudando o foco de seu trabalho, desenvolvendo a teoria do otimismo aprendido e, depois, estabelecendo a psicologia positiva.
Martin entende que a psicologia como um todo - e ele em particular – durante muito tempo, teve pouco ou quase nenhum interesse no que está funcionando bem para o ser humano.
A proposta de mudança de foco da psicologia que ele abraçou pode ser compreendida por meio de duas perguntas, sendo a primeira, a tradicional e a segunda, a da nova proposta:
1. “Por que alguns indivíduos fracassam?” (ou “O que tem dado errado para você?”)
2. “O que faz alguns indivíduos terem sucesso?” (Ou “O que tem dado certo para você?”)
Quando se muda a abordagem, muda-se o foco, e os resultados também são outros.
Martin e seu “insight” ou sua lenda: rumo a uma ciência
Existe uma história que Martin conta que já virou uma lenda. Ele diz que a psicologia positiva começou como um processo de epifania quando ele estava tirando ervas daninhas do jardim de casa com sua filha Nikki, que tinha 5 anos na época.
Sua filha não o estava ajudando, muito pelo contrário, divertia-se, jogando ervas daninhas no ar, cantando e dançando, querendo chamar atenção como as crianças às vezes o fazem. Ela se assustou quando ele gritou com ela, e saiu de perto, mas voltou lentamente, querendo conversar com ele.
Nikki perguntou se ele se lembrava de que ela costumava choramingar quando tinha três e quatros anos de idade. E acrescentou que quando ela completou cinco anos, ela decidiu parar e, desde então, nunca mais choramingou. Se ela foi capaz de parar de choramingar, ele seria capaz de parar de ser reclamão, mal-humorado.
Essa revelação, naquele momento, de que era possível melhorar ou desenvolver o que havia de certo, positivo nas pessoas, ao invés de focar no que estava errado, foi o que ele decidiu promover quando presidente da Associação Americana de Psicologia (APA).
Na sua posse, ele propôs que a partir de então, o foco da psicologia passasse a ser na saúde, no sentido de estudar as condições promotoras do ótimo funcionamento humano. Ou seja, descobrir e promover os fatores que causam os indivíduos e as comunidades crescerem em termos de bem-estar e saúde mental. Possibilitar, com isso, ferramentas para que as pessoas pudessem buscar ter realização nos âmbitos pessoal, profissional e familiar.
Em resumo, de acordo ainda com Martin, a psicologia positiva começou a se desenvolver no nível pessoal, no seu jardim com Nikki, a responsável por sua epifania sobre o que a psicologia poderia se tornar.
No nível institucional, o seu desenvolvimento se deu inicialmente com os pesquisadores Mike Csikszentmihalyi, Ray Fowler, e Martin, que juntos traçaram uma trajetória para o desenvolvimento do novo campo. Trajetória que se tornou realidade ao longo da primeira década de 2000.
Mas é muito difícil e emperrador desenvolver pesquisa científica sem dinheiro. Nesse sentido, a Fundação Templeton e a Atlantic Filantropia forneceram financiamento amplo e generoso na hora certa.
E o não menos importante, um grande grupo de cientistas renomados e outros menos reconhecidos na área não só apoiaram, mas também formularam a missão desse movimento. Assim, estava estabelecido o caminho para o desenvolvimento da Psicologia Positiva, ciência que vem se crescendo desde então e ganhando novas perspectivas, num processo contínuo de desenvolvimento.
Próximo artigo: Psicologia Positiva, a ciência do bem-estar e da autorrealização
Artigo anterior: Psicologia positiva é paz, amor e pensamento positivo?
REFERÊNCIAS
Livros
Boniwell I. Tunariu, A. D. (2019). Positive Psychology: Theory, Research and Applications. London: Open International Publishing. Second Edition.
Peterson, C. & Seligman M. (2004).Character Strengths and Virtues. Oxford University Press.
Porter, A. (2020). A Degree in a Book: Psychology: Everything You Need to Know to Master the Subject. London, Arcturus.
PUCRS - EAD. Seligman, M. & Koller, S. Aula 1. Pilares da Psicologia Positiva. Pós-graduação em Psicologia Positiva.
PUCRS - EAD. Furtado, K. & Dickel, J. Aula 1. Autorrealização, Propósito e Sentido de Vida. Pós-graduação em Psicologia Positiva.
Ralls, E. & Riggs, C. (2019). The Little Book of Psychology. UK: Summerdale Publishers.
Seligman, S. (2018). The Hope Circuit: A Psychologist's Journey from Helplessness to Optimism. New York: Public Affairs.
Seligman, M. Positive Psychology, Positive Prevention and Positive Therapy in: Boniwell I.
Tunariu, A. D. (2019). Positive Psychology: Theory, Research and Applications. London: Open International Publishing. Second Edition.
Artigos
Outros